sexta-feira, 10 de outubro de 2008




Essa vontade de saber Esse tempo que passa e leva os dias contados marcados em relógios de parede Esse mel que lubrifica a garganta Esse suspiro que sai do fundo do peito em êxtase extremo Essa cara que tenho e que modifica sem que percebam Esse dia que eu não sou eu Essas fotos que estou alegre e se triste sorrindo assim mesmo pra não ficar feio Esse jeito de viver que não muda Essa boneca esquartejada cabeça quebrada braços e pernas perdidos na caixa de brinquedos Esse quebra cabeça interminável Mudo de fazer dó e música e poesia e cinema:Esse sonho vagaroso que corrói entranhas Essa visita na morada dos rins e coração que fosse não agüentaria tanta emoção Esse eu perverso de sentimentos e palavras em uma só letra H

Helena soares

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Vulto

Passarela de ferro enferrujado
Lá em baixo e majestoso um urubu
movimenta apenas o pescoço com autoridade
Um urubu lindo foi de encontro a minha alma
Numa velocidade que parecia ontem
Só sei que fiquei ali parada olhando
Ele é o rei
Silêncio pensado
Algumas palavras de sengrasseza ...
Antes que as nuvens se chocassem de susto
Bravo! breve a lição estava dada para sempre
Como um vulto passou preto e fúnebre desafiando
Eis que meu dia acabou...

HELENA SOARES
De mim mesma

Meu coração reclama o que me separa dos que amo de verdade
Deus me deu treze irmãos vivos
Alguns se foram e os que ficaram... Um abraço sufocado no peito grita esse amor que não se concretiza Nem de perto Nem de longe
Oito mulheres e cinco homens e mais um que minha mãe pegou para criar
O mais bem (sina) do de todos
Mangas maduras comidas no pé
Horas sem contar no relógio ouvindo o murmúrio do vento nas folhas
Visto de longe o gado rumina o pasto de minha alma
Brancos no sol de fazer pensamentos
O arrozal dança e convida para a vida
Leio livros de ouro nas asas dos mil pássaros
A respiração esvai-se num único e harmonioso tom musical
Sussurro do universo querendo-me inteira para realizar sonhos


Helena Soares
Ruminar

Ruminar não é coisa só de Gado...
Prato de comida na mão
Olhos fixos no tempo de ninguém
Se pensava ou só ruminava?
A boca mexia mobilizando um conjunto de músculos autômatos
Uma tristeza de ser aquilo que se era...
Se alimentava ou só comia?
Olhando, era um réptil desses pré-históricos sem interesse pela vida moderna
Se vivia ou só estava viva?
Cansada de ruir
Uma pessoa roendo a vida...

Helena Soares





Essa aí veio de onde as palavras são ásperas e sem significados exatos Um olhar te põe inteira pra dentro do casco da tartaruga e o peso e medo de sair dali Anda devagar essas pessoas que são parentes tem dentes afiados e mordem Essa vontade de abraçar e ser amada me furta a irreverência do pensamento Se sou eu mesma sou só Não posso ter nome nem carregar vergonha de outros Amo calada O que está preso dentro do peito alimenta o cachorro Deixa forte a lua e uiva nesse clarão que agora faz sentido na alma Naquele campo de algodão vi homens mulheres e crianças pesando arrobas brancas para dormir em catres duros de madeira e tostão que fosse Catar uma arroba é orgulho Esse algodão trago na alma Essa arroba tão branca e leve difícil de alcançar Esse capucho entre os olhos e dedos acariciados Por pouco fincados em pontiagudos gumes protetores Eu lá vendo o campo branco e saca nas costas e sol e marmita e suor Colhendo para pesar arrobas Uma que fosse Quinze quilos de algodão Muitos capuchos para quem tem pouca idade Uma alegria Uma conquista Uma lição :Tia pêdra fada madrinha completou minha única arroba Quinze quilos de sorrisos Ganhei asas brancas e não parei mais de sonhar

Helena Soares

Tinha medo de gente se escondia detrás das mãos Da tempestade debaixo da mesa grande de madeira pesada Tinha medo do pai e da mãe Não conhecia livro nem televisão nem carro Tinha medo Avião via passar no alto e sonhava que ele caía no grande terreiro limpo varrido com vassourinha Estórias que ouvia era de assombração Mortos que apareciam para assustar Um dia o pesadelo que tanto falavam veio à noite e se deitou Era tão pesado e horroroso que não conseguia mexer nem gritar Nunca mais dormiu sozinha nem de barriga para cima Não sabe onde foi enterrado seu umbigo Dos machos sua mãe enterrou no curral pra dar sorte de serem fazendeiros com gados E as mulheres o que seriam? O dia que ficou menstruada foi à fonte Tinha feito uma rudia e colocado o balde com água na cabeça Andava na estradinha estreita Santa doida apareceu e fez medo:Agora corre sem derramar água Se não apanha Assustada correu
A água derramava aos poucos e ela aterrorizava: Ta com medo? Me dá a rudia! Foi batendo o pano da rudia em suas pernas se divertindo com sua fraqueza Quando chegou na casa de dinha Duniza não tinha mais água no balde Estava molhada e sangrando Teve febre alta Ficou de cama encolhida sentindo o sangue jorrar Virou moça - Deixa de ser medrosa Ela tem a cabeça perturbada não ia te fazer nada - Deixa disso Santa Pára de assustar a menina! - Ela tem cabelo bonito Eu vou cortar o cabelo dela - Êta Santa besta Deixa a menina – Me dá uma coisa de comer Deu uma fome...

Helena Soares



Busco

A palavra habita minha existência
Penso nela como um amor platônico
Fico horas a pão e água imersa neste universo sutil e mágico
Desfiles em saias rodadas
Vestidos decotados em lânguidos corpos de significados exóticos
Respiração profunda
Um peixe nada tranqüilo no líquido aminiótico
Meu útero se parte multiplicando a beleza e saudando a vida
Uma flor de perfume nunca sentido antes
Um amor sem fronteiras querendo encontrar sua metade imperfeita
Pequenos frascos
Febril
Feérico
Fecundo
Procura-se

Helena Soares





Branco

A Lua Escorrega Vaidosa Por Entre As Nuvens
O Cavaleiro Aprisionado No Clarão Do Dia e Da Noite Afugenta O Dragão
Lembra – Me O Céu Que Habita Meus Afazeres
Dueto De Solidão
Aprisionada No Meu Destino Choro
O Tanto Que Abro Olhos
Olhando Essa Imensidão Que Está Acima E Que É Bela
Também O É Minha Vida
No Entanto...
Busco Sentidos
Se Firmo Olhos É Para Enchergar
Se Dou Passos Para Crescer
Mas O Que Quero Agora É Sentir...

Helena Soares

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Quando o sapato aperta





Quando o sapato aperta
Texto de Helena Soares

Concreto rachado para buracos sabe lá aonde com águas sujas vão com ratos e baratas flutuantes. Quem anda pelas ruas pisa em odores.
Enormemente empinadas para comprar no mercado central onde o preço basta atravessar a rua para ser de povo ou de gente e gente sendo todos com fome que não escolhe estômago.
Explícito orgulho de ser e gastar até o que não tem para se gabar.
Nesta cidade ando de lá e de cá, pessoas que encontro de lá não encontro de cá, uma ou outra, especialmente os mendigos, os ladrões, os cafetões, os malandros, os loucos, livres em transitar por cima dos buracos que estão em todas as partes da cidade.
Quando é de tarde vai dando uma agonia de viver sob pedra e barulho com fedores e pessoas que usam perfumes conforme são, os mais baratos quando passa minutos já fedem junto a outros que passam sem perfume , com suor de ontem, meses, anos sem tomar banho.
A maioria de loucos que fala sozinho andando na rua é gente normal bem vestida, não estão na estatística, andam rápido com olhos fixos gesticulando mãos e boca que às vezes até dá para ouvir o que fala. Coisas que não se tem coragem de falar diretamente ou que gostariam de ouvir.

- Olha bem para mim, esta é a ultima vez que me vê com esses olhos famintos de carne sangrando, nunca mais você põe as mãos em mim, sou uma nova mulher, vou andar bem arrumada, cheirosa, se você der bobeira comigo até homem vou arrumar, quero ver você sair na rua e te chamarem de chifrudo, você vai ver se é bom. Chamam-me gostosa na rua sabia? Quero me separar, pronto falei, vou virar puta chique, melhor que ficar levando porrada. Que alívio! Não quero mais esse canalha.
Gente que dá gargalhada, gente de cara fechada, gente de nariz empinado, gente de olhar vazio e carros com seus vidros escuros acelerando no sinal para ganhar tempo.
No lavar de copos, com bocas lanchando e pouco tempo para conversa é preciso desabafar.

- Não tenho mãe, um café e dois pães de queijo? nem pai, morreu
Fui criada de qualquer jeito, um suco de acerola com laranja pro moço aqui, meu pai não quis a gente, ele vive por aí, nem sei onde anda.
- Não entendi. O pai morreu e vive por aí.Todo dia ela conta a mesma estória, tenho que lavar copo, atender cliente, pois não senhora? Só um cafezinho?
- É vivo, mas nunca quis saber de nós, Seis pastéis. Demora não, ta fritando.
É mesmo que ta morto, sumiu. Minha mãe sofreu até morrer. Com açúcar ou adoçante? Não gosto nem de lembrar. Pastel saindo, vai tomar alguma coisa?
- Tem vontade de ver ele não?
- Vou lá em cima buscar a torta de frango, já assou.

Quase escuro e noite adentro para trabalhar, muitas conversas,
pele cansada de frituras e desilusões, vida tocada para pingo de emoções.
Aqui no meio desta conversa bandos descalços invadem bolsas com olhares e pedidos de dinheiro, pombos voam mansos para disfarce de olhos que sonham debruço em copo de café, mirando longe a rua em trânsito infernal.
É a capital.
Estes despatriados percorrem quilômetros, enxergam milhões de caras que nem os olha.
Corações continuam batendo o ritmo da ameaça.
Quando é noite no mesmo horário, um velho gordo com muitas sacolas descansa seus pensamentos na praça.
Primeiro estende um plástico transparente, assenta em cima, vai tirando de dentro das sacolas coisas de comer e beber, sobre ele o céu vai crescendo, quando come e bebe, deita de barriga para cima e começa contar estrelas, sua mão direita movimenta como se contasse dinheiro, brota-lhe um sorriso no rosto.
Ele puxa um molambo de cobertor e vai se enfiando para dentro do casulo.
Logo ali perto debaixo de árvores, outros movimentos suspeitos de homens e fumaças onde ninguém ousa passar depois das vinte horas.
É certo começar outras agonias onde os donos tomam conta destes pontos que fizeram seus para ter algo de concreto.

Neste momento apartamentos guardam em jaulas seus problemas irresolvíveis de insônias para pagar contas, obedecer a patrões, andar de ônibus.

Pesadelos flutuam, fumaças saltam janelas sem medo de abismos, tomam rumo para o alto, onde sem ter estrelas que olhar, perdem-se.
Sapatos descansam esta noite de lua branca, novos, velhos, caros, baratos,
São do mesmo sangue, solidarizam - se na caminhada dos dias.
Muita sola que gastar, pés que apertar, festas para animar.
Sem sonhos para delirar, dormem em qualquer lugar para no outro dia recomeçar.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Onde será que vai




Tardes amareladas abraços de pano em busca de lua
Onde vai parar o sol depois do escurecer?
Preparo uma canção de fogo para não enlouquecer
Onde será que vai o pensamento que seque pela rua?
Será que canta
Que espanta
Encanta
Desencanta
Ou só avança em direção ao vento?
Nos lábios loucos mel e veneno
Último beijo no tempo ermo
Dançar sem que perguntar
Seguir a vida se iluminar
Onde será que vai o pensamento que segue pela rua?


Helena Soares

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Helena Soares



Amor de vidro

Helena Soares

Nesta hora que pássaros voam noturnos
É ave-maria no ser que entranhas...
Quimeras para lembranças de feições e saudades
Jeito doído de ser gente esse que esconde sem esconder
Mostra no semblante gostares com vontade furtiva de abraçar
Falta prática para coisas que o coração dá de graça
Na distância lembrar com ponta de faca
Máscara para definir bravuras sem castigar
Trovões para tempestades e silêncios reticentes
Amor de vidro esse quebranto em febre para trabalheiras
Todo dia é dia de amar e trabalho dá
Lavar para ficar branquinho em festa passear
Mandar beijocas de sorrisos em batons se lambuzar
Ser só cuidado para esse vidro não quebrar
Quebrado já este falta emendar
Amor de vidro esse quebranto em febre para trabalheiras.



Helena Soares, atriz e poeta, filha de agricultores do norte de minas, mora em Belo Horizonte desde 1990. Formada em Artes Cênicas pelo Teatro universitário da UFMG, em seu currículo destacam-se os espetáculos dirigidos por: Wilson de Oliveira em ‘’Eu te amo ditadura’’ de Sérgio Abrita e ‘’O balcão’’ de Jean Genet; Kallú Araújo em ‘’Tartufo’’ de Moliére e Helvécio Guimarães em ‘’Pétalas da Solidão’’. Em 2006 lança seu primeiro livro de poesia ‘’Infrutescência’’ do qual extrai os poemas para a criação de um espetáculo teatral de mesmo nome. Em seus textos, Helena faz um mergulho no sertão mineiro trazendo à tona imagens, sentimentos, fragmentos de memórias vividas e observadas por ela, uma homenagem à mulher sertaneja com seus desejos, sonhos, dúvidas, etc. Ruminando inquietações ela diz: ‘‘A palavra não é só a grafia, é antes o desejo de ser, de existir’’. O espetáculo ‘’Infrutescência’’ traduz esses desejos, revelando em cena imagens e personagens que dialogam com o espaço/tempo, através de formas animadas e da linguagem performática. Cada personagem sugere uma reflexão quanto ao que aproxima e distancia o mundo urbano do mundo do sertão.

Espetáculo: ‘’Infrutescência’’

Direção: Carloman Bonfim

Atriz: Helena Soares
Choque
Poema do livro Infrutescência de (Helena Soares)

Desses momentos que não se olha nos olhos
Que as palavras estão prontas para saltar de pára-quedas
O silêncio salva vidas
Deus lá de dentro faz que sim
A vida tem que ser vivida e desvelada com descobertas a cada
milésimo de segundo
Enquanto pássaros vôam livres no céu há mais mistérios...
Pulsa em todas as células a vida
Vivos, viventes, viveiros...
Viveremos sempre? Conscientes da existência
Eternos Humanos
O espírito tem urgência de paz!
A vida é linda e segue com paciência e beleza de flôr de maracujá